sábado, 10 de dezembro de 2011

litania da saudade

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tenho saudades do lugar da hortaliça,
e da fruta saborosa sem rótulos colados.
tenho saudades da minha avó me obrigar a ir à missa
e eu contrariado chegar lá e não haver lugares sentados.
tenho saudades das pessoas tão pobres e tão crentes
que rezavam a deus e a todas as santinhas ,
e compravam banha de cobra e tomavam mezinhas
para mais depressa deixarem de estar doentes.
tenho saudades da minha tia que dizia:
ó minha mãe não teime com o rapaz,
mas que mal tem não ir à missa um dia?
ir ou não ir, bem sabe, tanto faz.
tenho saudades dos semanais banhos de domingo,
em água quente, no inverno, na selha de madeira
e o meu pai à espera que eu acabasse e a falar comigo,
já todo nú e cheio de frio, a tiritar na cadeira.
e da minha vizinha gorda, do primeiro andar,
a lavar o velho caixote do lixo em madeira de pinho:
-ó meu menino quando fores doutor e rico o que me ofereces?
-um caixote novo, Palmirinha, que tu bem o mereces.
e de ti mãe e também de ti irmão,
não passa um só dia sem me lembrar de vocês;
de todos vós já nenhum cá está,
pois não:
ai quem me dera conseguir acreditar
que voltava a vê-los ao chegar a minha vez.


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11 comentários:

Justine disse...

Esta litania de saudade é um retrato sociológico (nem mais nem menos) do tempo em que nós éramos jovens! Fizeste nascer-me no coração tanta nostalgia, mais ainda porque tenho a certeza que, aos meus que já foram, não volto a vê-los...(às vezes é triste não ter "bengalas")
Abraço

Anónimo disse...

(a celha era de lata, meus pais vivem)
Quanto ao resto
tudo tange em mim o tempo da memória e das promessas.
Muito belo
(e sim, fazem falta santos e santinhos, a mãe de deus e os pastorinhos, acreditar uma vez que não ficamos nus e sozinhos)
Abç da bettips

Lizzie disse...

Senhor,

eu cá tenho saudades do tempo em que pensava que tudo era eterno e simples. De causa e consequência só percebia o delito/castigo a que nunca fui poupada.

O futuro era tão longe que nem com o modesto telescópio que me foi oferecido lhe via sequer a linha do horizonte.

(Aqui para nós, só as bonecas ainda me falam, e as torneiras, e os bancos de jardim... e tudo o que tem memória, logo história.)

Tenho saudades de mandar no corpo em vez de ser ele a mandar em mim.
Tenho saudades do entusiasmo, aquele que, resumido,talvez tenha a forma de Deus.
E dos ombros abstractos e gloriosos na vontade chamados Santos.

Não sei se vou encontrar alguma coisa ou alguém no futuro: sou tão pequena que não tenho certezas.

Sou um átomo apertado no tempo, no universo de tudo o que não conheço nem conhecerei.

Espero só não encontrar a professora marreca que me dava reguadas nem a enfermeira que me dava injecções quando tive sarampo.

E pronto Senhor,lá por andar andar de canadiana por via de a hérnia discal se ter inflamdo, não significa que não tenha ainda garbo para vos enviar os meus respeitos.

Arábica disse...

Amanhã, às 23 saio.
Ela franziu o sobrolho. Conhece-lhe o humor, as noites mal dormidas, as fantasias, as sensibilidades sem hora marcada, conhece-lhe as moscas. Não sabe se há-de acreditar ou não. Ele ir-se embora de malas aviadas assim quando ainda há poucos dias chegou, como se fosse um marinheiro que pouco tempo aguenta em terra firme. Ou um caixeiro viajante, sempre na ansia de um novo cliente: como gosta de seduzi-los com os botões de todas as cores e feitios, que todos afirmam é bem verdade, botões de fantasia como aqueles, não há no mercado, não senhor. E boa qualidade! Nem perdem a cor nas lavagens sucessivas.
Mas a verdade é que no dia anunciado, à hora marcada, ele pegou em todos os seus haveres e partiu do Facebook.

Venho apenas dizer que tenho saudades tuas, estimado amigo.

Não quero falar de mais ninguém.
Nem das saudades que tb tenho de mim. Beijinhos. :)

augusto, um entre mil disse...

justine,
ao escrever era como se à minha frente estivessem os locais e quase senti, ou senti mesmo, o que nessa altura sentia.
quanto a rever os meus não o creio. mas certezas não tenho, só dúvidas.
um abraço

augusto, um entre mil disse...

bettips,
recordo bem as duas selhas da minha infância: a de madeira com arcos que me pareciam de ferro, em minha casa, e a de zinco (ou seria latão?) a que havia em casa de minha avó.
abraço

augusto, um entre mil disse...

Senhora de Lizzie,

pois, certezas também não tenho.

quanto às memórias que ainda vos falam, que vos apareçam limpas, principalmente as torneiras (se bem me lembro, alguém que conhecieis? dizia que se tudo estiver limpo mas as torneiras não, é o mesmo que nada. não seriam estas as palavras mas seria esta a ideia).

desejo-vos as melhoras, apesar de que garbo tendes sempre nas palavras que aqui deixais e em vossas casas também.

os meus respeitos

augusto, um entre mil disse...

vanda,

esse caixeiro viajante, pelo que aqui me contas, parece-me ser um fulano um bocado convencido. mas, salve-se isso, pelo menos cumpre aquilo que diz...

um beijo para ti.

ps-por vezes, muito raramente, passo pelas pequenas doses mas não hé café para ninguém...

O Árabe disse...

Precisamos acreditar, amigo, ou pelo menos esperar. É a melhor forma de escapar à saudade. Meu abraço, bom resto de semana!

Marina disse...

É tão bom termos recordações do passado :) Gostei muito deste texto
Beijinhos

São disse...

Para si e para quem desejar, deixo um abraço com o meu voto de quadra festiva alegre, Natal com amor e excelente 2012.